“A
competição não começa até que a barra esteja no chão”… Com esse
“provérbio”, a vanguarda da força pura, os powerlifters, definem o
impacto desse movimento nos totais dos campeões.
O
Levantamento Terra é um daqueles exercícios que tem de estar na rotina
de qualquer um que deseja maximizar sua relação entre o curto tempo
disponível para treinar e a escolha por movimentos de máxima eficiência.
Eficiência aqui se refere a atingir simultaneamente uma grande
quantidade de músculos ao mesmo tempo. Dorian Yates, Arnold
Schwarzenegger, Ronnie Colleman (campeões do Mr. Olympia) são alguns
exemplos do calibre de atleta que acredita nas virtudes desse exercício,
mas se você acha perda de tempo, tudo bem, sente‑se na cadeira
extensora e chute o vento à vontade…
Pense
em um músculo qualquer, e sem dúvida alguma ele estará envolvido no
Levantamento Terra, seja diretamente, seja como estabilizador. Sob
cargas máximas ou mesmo no final de uma série de repetições executada
até a falha, é difícil observar uma única fibra muscular que não esteja
tensionada! Sei que isso já foi dito antes com as mesmas palavras, mas é
a mais pura verdade. De baixo para cima, começando com os pés, temos os
gastrocnêmicos e soleares atuando nos tornozelos para manutenção do
equilíbrio; nos joelhos temos simultaneamente o quadríceps e músculos
isquiáticos; no quadril tempos os glúteos e mais uma vez os isquiáticos
(bíceps femoral, semimembranoso, semitendinoso); na coluna vertebral
temos o quadrado lombar e uma enorme quantidade de músculos conhecidos
genericamente como paravertebrais; na cintura escapular temos quase
todas as porções do trapézio ativas, rombóides e até alguma ativação dos
dorsais (sim, é possível conseguir deixar até dorsais doloridos com o
Levantamento Terra e suas variações. Quem treina sabe disso.).
Dois
aspectos contribuem para as grandes cargas erguidas nesse movimento: um
é a grande quantidade de músculos e articulações envolvidas
simultaneamente. O outro é o fato de estas mesmas articulações estarem
flexionadas apenas parcialmente, ao contrário do agachamento. O cabo de
guerra nas cargas entre os dois movimentos mais pesados do esporte vem,
no entanto, se modificando nos últimos anos devido ao advento dos
avanços nos equipamentos de suporte, ou seja, faixas de joelho e
macacões.
Esses equipamentos agem como molas, e qualquer mola
exerce sua maior força quando comprimida ao extremo. O agachamento
provoca esse tipo de compressão, uma vez que o atleta flexiona tanto
joelhos e o quadril a mais de 90 graus, causando no equipamento e em
todos os tecidos corporais um acúmulo de energia elástica em potencial.
Existe outro fator: o agachamento se beneficia tanto do macacão como das
faixas, ao passo que no Terra raramente as utilizamos, justamente
devido ao grau apenas parcial de flexão dos joelhos.
Se no
agachamento o “carry over” de faixas e macacões é indiscutível, no
Levantamento Terra é por muitos questionável. Ao macacão atribui‑se
desde nenhuma ajuda até números que não passariam de 10 a 40 kg para o
Terra, isso na melhor das hipóteses. Já no agachamento, junto com o uso
das faixas de joelhos, esses números estão estimados entre 40 a 100 kg
para as federações “single‑ply”. Já no segmento “multi‑ply”, apelidado
de “extreme powerlifting” ou “powerlifting show”, o uso de faixas de 3
metros; o uso de suportes hidráulicos de agachamento onde o atleta não
precisa caminhar para trás com a barra; e macacões que lembram armaduras
e ficam de pé sozinhos, partimos de 150 kg no mínimo pra começar…
É
por essas razões que atualmente grande parte dos atletas realiza
agachamentos mais pesados que o Terra. São números artificiais inflados
pelo equipamento, sejam eles single ou multi‑ply. Isso confere ao
Levantamento Terra outro título, o da legitimidade! Para muitos o Terra é
a maior comprovação de força pura do homem!
A EXECUÇÃO
Se
compararmos tecnicamente, a posição inicial dos levantamentos olímpicos
e do Terra é parecida, mas não idêntica. Temos no último o quadril um
pouco mais alto, e a barra mais próxima à tíbia (por essa razão alguns
atletas usam caneleiras, e literalmente arrastam a barra contra as
pernas), de forma que a grande massa formada pela barra e o corpo do
levantador estejam o mais próximas quanto possível.
Depois que a
barra sai do chão muitas coisas podem acontecer: o atleta pode manter
uma relação de relativo equilíbrio e sincronismo entre a extensão dos
joelhos e quadril como se realizasse algo parecido com um agachamento,
ou estendê‑los de uma vez e prosseguir como se o movimento fosse um
“stiff legged deadlift”, e é verdade que algumas das maiores marcas do
nosso esporte são feitas nas piores posturas. A razão é simples: com a
coluna curvada, a distância entre a barra e o centro de massa fica menor
ainda, e em esporte de rendimento a segurança nem sempre é mais
importante que o resultado. Que essa “técnica” é desaconselhada para os
iniciantes e deveria ser reservada aos veteranos somente próximo às
competições, não tenha dúvidas!
Comparando mais uma vez com os
levantadores olímpicos, as cargas não são erguidas com esse tipo de
postura. Primeiro porque esses atletas não levantam cargas máximas do
chão, segundo porque, com a coluna flexionada, seria impossível
recuperar a barra de forma estável acima da cabeça no arranco, ou sobre
os ombros no arremesso.
Se
por um lado alguns pecam pelo excesso, outros pecam pelo zelo. O Terra
não deixa de ser uma puxada, e depende em grande parte dos músculos
extensores do quadril. Um erro comum cometido por quem quer ensinar o
movimento sem ter os calos nas mãos pra contar história é o de tentar
manter o tronco totalmente ereto, como um puro agachamento, o que é
inviável do ponto de vista mecânico! Para isso, o aluno de academia tem
de empurrar a barra para frente durante a subida, para que a mesma não
bata nos joelhos. Nesse tipo de execução, à medida que a barra se afasta
do centro de massa para passar dos joelhos, a tensão em cima dos
extensores da coluna aumenta, apesar da postura ereta. Essa manobra só é
possível com cargas leves, e se trata de uma técnica equivocada.
Repito: o Terra é uma puxada, e não um agachamento com a barra presa às
mãos!
Uma postura mais ereta é conseguida quando adotamos o estilo
sumô. O sumô também não é, como pode parecer, um agachamento de pernas
afastadas! Aliás, esse equívoco faz com que muitos atletas (incluindo
eu) passem meses tentando fazer a transição do estilo convencional sem
sucesso. O Terra sumô é mecanicamente mais eficiente porque, com as
pernas apontando para fora, o quadril fica mais próximo à barra e o
tronco mais ereto, ou seja, menor braço de resistência. O efeito final é
uma grande redução no percurso da barra. Apesar da matemática, o estilo
não é uma unanimidade no esporte nem garante as maiores cargas.
Algumas
das maiores marcas X algumas das piores técnicas Ano Turtiainen (
125kg/405.5kg ), Konstantin Konstantinov ( 124.8kg/430kg ), Gary Heisey
(167kg/420kg, da antiga ), Vince Anello ( 90kg/373kg, da antiga ).
Nesses quatro grandes atletas, que fizeram algumas das maiores marcas do
mundo em suas categorias, fica marcante a flexão da coluna já no início
do movimento, sobretudo na região torácica, contrastando claramente o
que em teoria parece ser “má técnica” com o paradoxo das grandes cargas
erguidas. No Brasil temos Evandro Casagrande com 360kg, Rafael Crestani
(350kg), Ricardo Nort (350,5kg), Claudemiro Batista (330 kg), todos
atletas muito fortes com estilos também nada ortodoxos de execução. Já
com Andy Bolton (457,5 kg) e Gary Frank (422,5 kg), e Benedikt Magnuson
(442,5 kg), todos na categoria “superpesada” (SHW), notamos um estilo
mais equilibrado, sem uma extensão tão precoce dos joelhos, mas mesmo
assim fica claro que o movimento é uma puxada, não um agachamento com
barras nas mãos, e que depende primariamente dos extensores do quadril!
Pra
fazer justiça aos mais leves, temos Lamar Gant com seus recordes
mundiais nunca batidos. Foram cinco vezes o seu peso corporal: 290 kg
pesando apenas 56 kg em 1982 (263 pontos no wilks), e 310 kg pesando
apenas 60 kg em 1988 (264 pontos no wilks). Lamar Gant tinha um estilo
próprio, com a ponta dos pés para fora, e foi inúmeras vezes campeão
mundial, apesar de sua enorme escoliose, que fazia com que suas mãos
chegassem quase nos joelhos fazendo a barra descer no encaixe!
A INVERSÃO DA PEGADA
Curiosidades
sobre a pegada: no Terra utilizamos tipicamente uma pegada pronada e
outra supinada. A razão é simples: se ambas as mãos estivessem pronadas
ou supinadas no mesmo sentido, a barra teria de um lado a ação dos oito
dedos, contra os dois polegares no outro, o que facilitaria ela
literalmente “desenrolar” para baixo.
Quando invertemos uma das
mãos, criamos uma trava natural que neutraliza essa tendência. Outro
recurso, normalmente usado por levantadores olímpicos para evitar que a
barra escape, é a pegada em ganho (hook), onde os dedos passam por cima
dos polegares e os prendem contra a barra.
Por: Prof. Denilson Costa
Via: musculação & Fitness
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